Experiências que reúnem literatura e outras artes, gerando a "arte expandida"?
Uma forma ludica de literatura? Uma nova forma de interagir com a linguagem? Uma nova arte?
Brindemos a Literatura Cornopiana !
Natal de um Cronópio
Arrasto a bolsa por cima dos cartões de Natal, espalhando-os no tapete. Nanda ri: Filha de cronópio... Acabo de derrubar a caixa de enfeites da árvore, bolas quebradas por todo canto. Corre um fama a corrigir o estrago, catando-os um a um. Cronópio? É, mas não sou verde. Úmida ? Já fui mais, o tempo inteiro . Adoro cantar e recitar versos. Nada pragmática, embora não chegue ao extremo de dar um nó num fio de cabelo arrancado, jogá-lo no buraco da pia, abrir a torneira e depois tentar recuperá-lo a qualquer preço: tudo isso só para lutar contra o utilitarismo que rege a sociedade. Creio que do que mais gosto é de exercer a liberdade que volta e meia recupero. A de sonhar. De manhã quando levanto e lavo o rosto, acredito que um urso, vivendo em semi-exclusão social , sai do cano só para me acariciar e me lamber o nariz , para me dar bom dia. Vivo no mundo da lua. Perco chaves, dinheiro trocado, guarda-chuva, papéis. Cadê aquele conto que eu estava escrevendo com tanta dificuldade? ( Gosto mais de fazer do que de contar ) Quase acabado, e agora ... Nada. Só esses textos em romeno, que confusão ! Começar de novo. Nenhuma esperança deslizando no ar. O jeito é banhar e perfumar as lembranças que andam soltas pela casa nessa época do ano, batendo portas e janelas . Nem preciso de instruções para chorar, molho com lágrimas o sanduíche entregue: meu preferido, de queijo, trocado por esse de presunto. O relógio atrasa, atrasa. Eu junto. Se fosse um fama, já teria feito a lista de presentes. Deixo tudo pra última hora, ou nem isso. Teria que trabalhar no governo ou numa casa de câmbio para pagar por todos eles. Os shoppings estão cheios, filas, não há estacionamento na cidade, os táxis exorbitam com a bandeira dois, mas tudo bem. Papai Noel, pinheiro, boneco de neve, renas. Argh! Que horrível mau gosto! Peça desculpas, ou saia imediatamente, responde um fama. Permaneço em silêncio. Ameaça: Ajude aqui e perdoarei a grosseria. Mas não tenho paciência para trinchar carnes, com ou sem faca elétrica. Desajeitada, corto o dedo. O sangue escorre na ave. Só penso em como esse peru morreu. Quero comer a sobremesa antes da ceia, um coro de famas diz: "Nãoooooooooooooo!"
Lambo o dedo passado na baba de moça, amarelo rajado de vermelho, agora. NÃO ! Começo a abrir meu presente antes da hora. NÃO ! Ponho Bono Vox bem alto, em vez de Jingle Bell. NÃO ! Se pudesse os faria sentar naquele sofá pra morrer, aquele com a estrelinha prateada no meio do encosto. Olho a parede, e esqueço. Quase meia-noite, formigas banqueteiam na cozinha. Encaminho-me para a área de serviço, abro a tábua e PASSO o Natal !
***
Amor de um cronópio
Um Cronópio encontra uma Esperança dançando Catala sozinha, escondida no jardim.E entende, com os olhos pingando, uma alegria formigando seus bracinhos e perninhas, que a vida é assim, cheia de coisas surpreendentes escondidas em cantos do jardim.(E que todos sentem medo, um desconforto, um sem jeito, diante da felicidade do amor.)O Cronópio silencioso e sigiloso volta para casa.E nada de dançar Catala e dançar trégua. Não, hoje não.Ele tem planos de fazer doces suspiros.E comer em cima da cama, assistindo uma porcaria qualquer na tevê. Ele, como toda pessoa que se descobre sendo amada, merece um momento de suspiros.Amanhã, ele já tem a idéia, deverá ligar e fazer um convite delicado: sorvete com bolo, às cinco da tarde?
:::
Dica de leitura :
Famas e Cronópios - Julio Cortazar
Brindemos a Literatura Cornopiana !
Natal de um Cronópio
Arrasto a bolsa por cima dos cartões de Natal, espalhando-os no tapete. Nanda ri: Filha de cronópio... Acabo de derrubar a caixa de enfeites da árvore, bolas quebradas por todo canto. Corre um fama a corrigir o estrago, catando-os um a um. Cronópio? É, mas não sou verde. Úmida ? Já fui mais, o tempo inteiro . Adoro cantar e recitar versos. Nada pragmática, embora não chegue ao extremo de dar um nó num fio de cabelo arrancado, jogá-lo no buraco da pia, abrir a torneira e depois tentar recuperá-lo a qualquer preço: tudo isso só para lutar contra o utilitarismo que rege a sociedade. Creio que do que mais gosto é de exercer a liberdade que volta e meia recupero. A de sonhar. De manhã quando levanto e lavo o rosto, acredito que um urso, vivendo em semi-exclusão social , sai do cano só para me acariciar e me lamber o nariz , para me dar bom dia. Vivo no mundo da lua. Perco chaves, dinheiro trocado, guarda-chuva, papéis. Cadê aquele conto que eu estava escrevendo com tanta dificuldade? ( Gosto mais de fazer do que de contar ) Quase acabado, e agora ... Nada. Só esses textos em romeno, que confusão ! Começar de novo. Nenhuma esperança deslizando no ar. O jeito é banhar e perfumar as lembranças que andam soltas pela casa nessa época do ano, batendo portas e janelas . Nem preciso de instruções para chorar, molho com lágrimas o sanduíche entregue: meu preferido, de queijo, trocado por esse de presunto. O relógio atrasa, atrasa. Eu junto. Se fosse um fama, já teria feito a lista de presentes. Deixo tudo pra última hora, ou nem isso. Teria que trabalhar no governo ou numa casa de câmbio para pagar por todos eles. Os shoppings estão cheios, filas, não há estacionamento na cidade, os táxis exorbitam com a bandeira dois, mas tudo bem. Papai Noel, pinheiro, boneco de neve, renas. Argh! Que horrível mau gosto! Peça desculpas, ou saia imediatamente, responde um fama. Permaneço em silêncio. Ameaça: Ajude aqui e perdoarei a grosseria. Mas não tenho paciência para trinchar carnes, com ou sem faca elétrica. Desajeitada, corto o dedo. O sangue escorre na ave. Só penso em como esse peru morreu. Quero comer a sobremesa antes da ceia, um coro de famas diz: "Nãoooooooooooooo!"
Lambo o dedo passado na baba de moça, amarelo rajado de vermelho, agora. NÃO ! Começo a abrir meu presente antes da hora. NÃO ! Ponho Bono Vox bem alto, em vez de Jingle Bell. NÃO ! Se pudesse os faria sentar naquele sofá pra morrer, aquele com a estrelinha prateada no meio do encosto. Olho a parede, e esqueço. Quase meia-noite, formigas banqueteiam na cozinha. Encaminho-me para a área de serviço, abro a tábua e PASSO o Natal !
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Amor de um cronópio
Um Cronópio encontra uma Esperança dançando Catala sozinha, escondida no jardim.E entende, com os olhos pingando, uma alegria formigando seus bracinhos e perninhas, que a vida é assim, cheia de coisas surpreendentes escondidas em cantos do jardim.(E que todos sentem medo, um desconforto, um sem jeito, diante da felicidade do amor.)O Cronópio silencioso e sigiloso volta para casa.E nada de dançar Catala e dançar trégua. Não, hoje não.Ele tem planos de fazer doces suspiros.E comer em cima da cama, assistindo uma porcaria qualquer na tevê. Ele, como toda pessoa que se descobre sendo amada, merece um momento de suspiros.Amanhã, ele já tem a idéia, deverá ligar e fazer um convite delicado: sorvete com bolo, às cinco da tarde?
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Dica de leitura :
Famas e Cronópios - Julio Cortazar
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